Prestes a completar 100 anos de existência, a Previdência Social no Brasil passa, já há algum tempo, por uma fase delicada, com perspectivas críticas de futuro. Desde 1923, quando a publicação da Lei Eloy Chaves instituiu a base do que viria a ser o sistema previdenciário brasileiro, por meio da criação da Caixa de Aposentadorias e Pensões para os empregados das empresas ferroviárias, muita coisa mudou.
Naquela época, a Previdência não chegava nem perto de ser tão abrangente e democrática quanto é hoje. Além dos ferroviários, apenas alguns grupos de funcionários públicos eram protegidos pelos benefícios instituídos, e os critérios para obter a aposentadoria também eram significativamente distintos. Isso vale também para a população brasileira, que cresceu e mudou drasticamente desde então.
Estas alterações sociais, econômicas e demográficas são o ponto de partida para compreender o porquê de, atualmente, a Previdência Social no Brasil ser um tópico tão complexo e relevante, na medida em que uma reforma previdenciária drástica e iminente levanta debates e desafia, dentre outros setores, o Direito Previdenciário, na busca por soluções justas e efetivas para a realidade atual e para as futuras gerações.
Principais aspectos que impactam o sistema previdenciário brasileiro
Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 1923 a população brasileira era de pouco mais de 31 milhões de habitantes. Quase um século depois, o número já ultrapassou a casa dos 215 milhões de pessoas. E não é apenas o crescimento populacional que torna o cenário previdenciário tão complexo, mas também algumas mudanças no perfil etário, nas taxas de fecundidade e expectativa de vida, por exemplo, como revelam os gráficos abaixo, com dados da ONU, do IBGE e do Governo Federal, organizados pelo Insper.
Aumento na expectativa de vida e crescimento da população idosa brasileira
Com as gradativas melhorias na qualidade de vida da população, houve um crescimento significativo na expectativa de vida média do brasileiro. Ao contrário do que acontecia há algumas décadas, hoje, quem completa 60 anos tem muito mais chances de ultrapassar a casa dos 80 anos. Estima-se que em 2100 o Brasil será o 10º maior país do mundo em proporção de idosos, com 39% da população com mais de 60 anos. Isso implica na necessidade de garantir condições dignas para a população na terceira idade, o que está diretamente relacionado com a estrutura e a capacidade do sistema previdenciário.
Redução na taxa de fecundidade e no número de trabalhadores ativos por idosos
Na contramão dos valores acima, o número médio de filhos por mulher brasileira diminuiu drasticamente. Em 2020, a taxa de fecundidade atingiu seu menor patamar e a tendência é de que se mantenha baixa e estável, de modo que este cenário contribui para a redução e o envelhecimento da população no futuro. Como consequência, há cada vez menos pessoas em idade ativa para cada uma na faixa da inatividade, o que faz com que o esforço para arcar com as aposentadorias se torne cada vez maior, com risco de se tornar insustentável.
Estes e outros fatores geram o chamado Déficit da Previdência. Considerando somente o regime de previdência para profissionais do setor privado, por exemplo, por meio do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), as despesas com benefícios previdenciários vem crescendo num ritmo muito mais acelerado do que a arrecadação. O rombo total dos regimes de Previdência no Brasil chegou a R$ 368,2 bilhões em 2020, mesmo após a Reforma da Previdência, visto que a perspectiva de eventual resultado das ações tomadas agora é majoritariamente para longo prazo.
Reforma da Previdência e perspectivas jurídicas futuras
Na tentativa de começar a lidar com algumas das questões supracitadas e, assim, tornar o modelo previdenciário nacional mais sustentável, a emenda constitucional nº 103, de 12 de novembro de 2019 alterou o sistema de previdência social e estabeleceu regras de transição e disposições transitórias. Desde então, o assunto Reforma da Previdência vem sempre acompanhado de dúvidas, polêmicas e incertezas, visto que este movimento – o maior esforço de reformulação previdenciária do país até então – é apenas o início de um ciclo que certamente contará com novos capítulos. Dentre as principais mudanças promovidas destacam-se, por exemplo:
Aposentadoria por idade e tempo de contribuição
A Reforma da Previdência unificou as antigas aposentadoria por tempo de contribuição e aposentadoria por idade. Agora, é necessário conciliar os dois fatores para requerer a aposentadoria. Por exemplo, para trabalhadores privados urbanos os critérios passaram a ser os seguintes:
Para a mulher
Idade = 62 anos
Tempo de contribuição = 15 anos
Para o homem
Idade = 65 anos
Tempo de contribuição = 20 anos
Novas alíquotas progressivas do INSS sobre o salário
A Reforma estabeleceu novas regras de contribuição previdenciária sobre o salário, válidas para servidores públicos federais, empregados CLT, empregados domésticos e trabalhadores avulsos. As alíquotas são progressivas e podem chegar a até 22%.
Diminuição no valor geral das aposentadorias
A regra de cálculo para definir o valor das aposentadorias, que antes da Reforma da Previdência considerava a média de 80% dos maiores salários, agora é calculada pela média de 100% dos salários, além de contar com outros redutores de benefício que afetam e reduzem o valor final do pagamento mensal.
Diante de tantas mudanças, é comum que existam muitas dúvidas por parte de pessoas físicas e jurídicas. Isso é agravado pelo surgimento de novos entendimentos judiciais, resoluções administrativas e teses revisionais que já começaram a aparecer nos últimos anos e tendem a continuar, na medida em que novos entendimentos sobre a Lei e oportunidades diferentes ganham precedentes.