Direito Trabalhista e reconhecimento de vínculo empregatício entre motoristas, entregadores e plataformas digitais.

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É difícil encontrar uma pessoa que nunca tenha andado de Uber, solicitado uma refeição pelo iFood ou recebido uma encomenda entregue pela Loggi, por exemplo. Estas e outras empresas semelhantes se destacaram nos últimos anos, dentre outros motivos, por seu caráter tecnológico, disruptivo e acessível aos mais diversos públicos.

Os impactos econômicos, sociais e até culturais das startups com este perfil é incalculável. Setores inteiros tiveram de se adaptar aos novos modelos de trabalho e de interação propostos. Em um curto espaço de tempo, literalmente milhões de pessoas passaram a trabalhar em formatos diferentes, mais flexíveis e independentes, atuando como motoristas, entregadores, motoboys etc.

Em paralelo às oportunidades, também surgiram alguns problemas. A delicada relação trabalhista entre os profissionais e as empresas que os empregam é um deles.

As origens do fenômeno chamado de “uberização” do trabalho

Quem trabalha ou estuda tendências de mercado e revoluções tecnológicas contemporâneas certamente já se deparou com as expressões,economia compartilhada, economia do compartilhamento, economia colaborativa ou ainda gig economy. Todas se referem ao mesmo conceito: um modelo econômico recente que descreve atividades cuja premissa se baseia na utilização criativa e coletiva de bens de consumo, serviços e demais soluções. O Uber, plataforma de mobilidade urbana, talvez seja o principal expoente desse formato.

Porém, ao mesmo tempo em que empresas como o Uber oferecem serviços diferenciados a preços acessíveis aos consumidores, e a possibilidade de trabalhar com mais liberdade de horários, conciliar duas ou mais funções e ser o próprio chefe aos profissionais cadastrados na plataforma, há uma crescente insatisfação com as condições de trabalho definidas pelas organizações. Essa precarização é popularmente conhecida como uberização do trabalho.

Sem vínculo trabalhista reconhecido, sem estabilidade, renda fixa, benefícios garantidos na CLT ou uma margem de lucro considerada justa, motoristas de aplicativo, entregadores e outros profissionais afetados pela uberização (como prestadores de serviço autônomos, trabalhadores com carga horária esporádica etc.), passaram a exigir melhores condições, mais segurança e estabilidade para exercerem suas funções, sobretudo em momentos de crise, como durante a pandemia de Covid-19.

Além de greves e outras manifestações públicas, essas comunidades engajaram-se recentemente na luta por uma legislação específica neste âmbito, de modo a proteger os direitos dos profissionais, por meio de disputas judiciais que geram polêmicas e repercutem em novas adequações em praticamente todos os países nos quais as organizações da economia compartilhada possuem uma presença consolidada.

Contexto global: mudanças na legislação trabalhista internacional

Por se tratar de um fenômeno recente, a ausência de legislação específica e as consequentes iniciativas neste sentido são questões encontradas no mundo inteiro. Nos EUA, por exemplo, foi realizado um plebiscito nas eleições de 2020, no estado da Califórnia, para definir se os motoristas de app deveriam prosseguir trabalhando de forma autônoma ou com ligação oficial junto às empresas. O resultado da votação foi favorável às organizações e, pelo menos por enquanto, encerra uma acirrada disputa no estado.

No Reino Unido, onde o cenário de batalha judicial perdura desde 2016, o resultado recente foi oposto. Em fevereiro de 2021, a Suprema Corte inglesa concedeu, por unanimidade, uma vitória aos cerca de 70 mil motoristas de Uber cadastrados no país. Ao reconhecer o vínculo empregatício entre as partes, a decisão obriga a empresa a disponibilizar salário mínimo, férias e plano de aposentadoria privada para os profissionais. As mudanças, no entanto, não abrangem os entregadores cadastrados na plataforma UberEats, o que indica que o caso está longe de uma conclusão definitiva.

Em 2020, na França, outra decisão favorável aos motoristas também havia sido oficializada, novamente contra a Uber. No entanto, como tais mudanças interferem na realidade de diversas startups, para além do segmento de mobilidade, os Ministérios do Trabalho e da Economia da França estudam o caso no intuito de definir os critérios da formalização dos trabalhadores, iniciativa amplamente criticada pela Uber e por entidades como o Observatório Independente do Trabalho (OTI), que reúne diversas personalidades do mundo dos negócios.

Contexto nacional: casos e projetos de lei em tramitação no Brasil

Até o presente momento, o cenário no Brasil segue na contramão dos países europeus. Um levantamento realizado em 2020, pela Data Lawyer Insights, indicou que, na ocasião, apenas 7 dos 958 processos distribuídos no país sobre o assunto foram julgados procedentes. Os dados contemplaram ações propostas contra as empresas iFood, Loggi, Uber e Rappi, todas com demandas de delivery.

Os processos em que o vínculo entre plataformas e motoboys foi reconhecido são exceções à regra, mas isto não muda o fato de que existem várias iniciativas em prol da regulamentação da categoria no país. Alguns exemplos são os projetos de lei listados a seguir:

  • PL 3748/2020: o projeto estipula um valor por hora trabalhada, que não pode ser inferior ao piso da categoria ou ao salário mínimo, e incorpora à remuneração total do trabalhador um pagamento proporcional de férias e décimo-terceiro salário. Fonte: Agência Câmara de Notícias;
  • PL 3597/2020prevê a contratação de seguro contra acidentes e doenças contagiosas, pela empresa, em benefício do empregado, além do fornecimento de EPIs. Tais despesas não poderão ser descontadas dos valores devidos aos profissionais. Fonte: Agência Câmara de Notícias;
  • PL 3577/2020acrescenta um longo trecho à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para tratar exclusivamente dos empregados que prestam serviços de entrega de mercadorias por meio de aplicativos. Fonte: Agência Câmara de Notícias.

Em síntese, o cenário ainda é incerto e exige atenção por parte de toda organização cuja estrutura ou modelo de negócios prevê terceirização de atividades essenciais. As polêmicas envolvendo tais tópicos apenas reforçam a importância de investir em parcerias sólidas e confiáveis no âmbito do Direito Empresarial, Trabalhista e Sindical. Estas e outras áreas de atuação encontram-se entre as especialidades do nosso escritório. Fale conosco e faça-nos uma visita!

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